Interview: Carolina Cooper, Senior Manager at Human Rights Watch Brasil
Conheci Carolina em um evento do Human Rights Watch que fui final de Dezembro. Foi um painel com mulheres incríveis falando sobre diversidade, violência feminina, mulheres no mercado de trabalho, precoceito e determinação. Foi inspirador e muito especial ver mulheres tão fortes em cima do palco se mostrando vulneráveis, mas nem um por um momento frágeis. O ponto alto do evento foram as palavras da Ministra Cármem Lúcia falando sobre toda a sua luta a favor das mulheres e os desafios para a implantação da Lei Maria da Penha em sua totalidade. É verdade que já avançamos, mas o caminho para o respeito e a luta pelos direitos iguais da mulher é muito longo, principalmente em um país com um gap educacional e recheados de injustiças como o nosso. Quis saber mais sobre o trabalho dela e sobre a Humans Right Watch no Brasil. Dia 17/01 é o dia da divulgação do Relatório Mundial dos Direitos Humanos, fiquem de olho que o Lolla vai falar sobre isso nos próximos dias.
Now let’s talk
Q. Conta um pouco do seu trabalho como Senior Manager na Human Rights Watch no Brasil.
Meu trabalho consiste em cultivar as relações institucionais da Human Rights Watch no Brasil, sejam elas com parceiros, financiadores, ou com outras ONGs e organizações da sociedade civil. Com isso, tento alcançar dois objetivos: Primeiro, dar cada vez mais visibilidade ao nosso trabalho, fortalecendo a nossa presença local e firmando a HRW como uma organização internacional com raízes no Brasil. Temos um escritório aqui desde 2014, com um pesquisador dedicado exclusivamente às questões brasileiras e uma diretora, por exemplo. Em segundo lugar, devo captar localmente para garantir a sustentabilidade financeira do nosso escritório em São Paulo. Mas o nosso modelo de captação vai além do financiamento: nossos colaboradores (pessoas físicas) se tornam embaixadores da organização, vestem a nossa camisa e defendem a causa. São defensores dos direitos humanos, além de defensores da Human Righst Watch. Por isso, construir uma comunidade de colaboradores acaba indo além da questão financeira e também nos ajuda a afirmar a nossa legitimidade como uma ONG de diireitos humanos no Brasil. Não estamos sozinhos – em todos os lugares do mundo onde atuamos, buscamos uma rede local que nos apoie.
Q. Como é um dia típico de trabalho. Morar no Rio deixa ele mais leve, apesar de tudo?
Eu sou carioca e moro no Rio, apesar do escritório da HRW ser em SP bem como grande parte do meu trabalho. Quando estou no Rio, trabalho de casa. São dias de planejamento estratégico (construir uma agenda de eventos e reuniões, pensar quais temas devem ser abordados, etc), de resolver coisas por email e de trocas com a HRW a nivel global. Somos uma organização de 400 pessoas espalhadas pelo mundo, com sede em NY! A minha supervisora fica em NY, inclusive. Então, para uma organização como essa funcionar, temos bastante calls de alinhamento, treinamentos, seminários online, etc. E, por estar no Rio, acabo representando a HRW em alguns eventos de ONGs e parceiros com sede aqui. Infelizmente, o trabalho de defesa dos direitos humanos no Rio de Janeiro é quase exclusivamente voltado para questão da violência e da letalidade policial, por necessidade. São temas difíceis, duros. Isso faz com que o trabalho no Rio não seja mais leve.
Quando estou em São Paulo (o que é bem frequente) trabalho do escritório, na companhia dos meus colegas, o que é sempre bom. Mas acabo tendo muito mais reuniões, almoços e cafés. Diria que é um dia a dia bem dinâmico!
Q. O que exatamente a Human Rights Watch faz e o como ela atua no Brasil?
A Human Rights Watch é uma organização internacional, não governamental e sem fins lucrativos que atua há 40 anos na promoção e defesa dos direitos humanos pelo mundo. Investigamos as mais graves violações contra os direitos fundamentais, mobilizamos a opinião pública, oferecemos recomendações às autoridades e pressionamos por mudanças estruturais e duradouras nas políticas públicas. Acreditamos na tolerância e no respeito pela diferença, defendemos a dignidade humana e lutamos pelos direitos humanos de todos. Nossa metodologia é baseada no tripé investigate (por meio de pesquisas de campo aprofundadas, publicadas em formato de relatório e contendo recomendações para as autoridades), expose (via imprensa ou, cada vez mais, campanhas em redes sociais) e change (fazemos advocacy pressionando o poder público e,quando necessário, os organismos internacionais por mudanças).
No Brasil, seguimos extamente essa metodologia. Os temas que abordamos aqui são: segurança pública e violência estatal; sistema prisional; violência contra a mulher; saúde reprodutiva; a crise venezuelana e imigração para o Brasil; efeitos adversos do uso indiscriminado de agrotóxicos em comunidades rurais, indígeas e quilombolas; pessoas com deficiência em instituições de acolhimento. No ano que vem pretendemos expandir nossa atuação para incluir: riscos para os defensores ambientais e violações contra a população LGBT.
Q. Para quem se interessar, como é possível ajudar ou se envolver com os projetos da HRW?
Doações são sempre bem-vindas! Nós não aceitamos nenhum tipo de financiamento público, nem aqui nem no mundo. Nossa política de conflito de interesse é rigorosissíma, por que entendemos que o nosso maior ativo é a nossa credibilidade, que só é tão forte porque somos completamente imparciais. O que isso significa na prática? Se estamos realizando uma investigação de abusos contra os direitos humanos na indústria têxtil perpetrada pela empresa X, obviamente não podemos receber dinheiro da empresa X e nem de nenhum executivo que trabalhe na empresa X. Mas isso também significa que não podemos receber doaçãoes das empresas Y e Z e seus funcionários, porque pareceria que estamos sendo “pagos” pela concorrência para fazer essas denúncias. Nesses casos, nos limitamos a não aceitar doaçãoes de ninguém na indústria como um todo. É claro que essas avaliações são constantes e podem mudar, a medida que empresas desenvolvam práticas mais éticas e sustentáveis. Mas, isso faz com que quase todo o nosso financiamento venha de doações de pessoas físicas e de institutos e fundações particulares. Por isso dependemos da generosidade de pessoas alinhadas com a nossa causa. Quem quiser doar pode fazê-lo pelo site hrw.org/doe.
Além disso, temos um grupo de colaboradores mais próximos chamado de “Círculo de Amigos”. Esse círculo tem a responsabilidade de nos ajudar de diversas maneiras: fazendo doações, indo aos nossos eventos, abrindo suas casas para jantares ou encontros com pesquisadores, nos conectando com outras pessoas, e por aí vai. Quem quiser interesse de participar do Círculo de Amigos de SP é só entrar em contato comigo por email (cooperc@hrw.org). O nosso desafio ano que vem vai ser organizar o nosso primeiro jantar beneficiente; precisaremos de bastante ajuda!
Q. Você é historiadora de formação e trabalhou em uma ONG com educação. Sempre quis trilhar o caminho de trabalhar para o próximo?
Isso sempre foi uma escolha natural para mim. Vejo menos como “trabalhar para o próximo” e mais como “trabalhar por um mundo mais justo para todos”. As desiguldades e injustiças sempre me comoveram muito e acredito que tanto a educação quanto os direitos humanos são temas estruturais que, quando conseguimos algum avanço, mudam a vida de todos nós que vivemos nessa sociedade.
Q. No contexto do seu trabalho, as conquistas e resultados são a longo prazo. É um trabalho extenso que realmente pode mudar a vida das pessoas, mas não é imediato. Como você lida com isso?
Essa é uma questão muito importante porque é fonte de frustração e cansaço. Acho importante ressaltar que as pessoas que trabalham nesse campo muitas vezes sofrem com depressão, estresse pós-traumático e outras questões sérias. Creio que isso aconteca tanto pela temática e conteúdo do trabalho, quanto por esse cansaço e frustração que advém do fato das mudanças serem a longo prazo e difíceis de quantificar. Durante uma pesquisa de campo podemos conversar com uma pessoa que sofreu algo terrível e ficarmos muito impactados com essa história tão real e pessoal. Mas, quando conseguimos uma mudança legislativa ou de política pública que vá mudar a vida dessa pessoa, muitas vezes não vemos a cara da mudança, ela é estrutural e portanto difusa. É claro que ela afeta vidas individuais de maneira muito concreta, mas esse impacto às vezes é difícil de mesurar. Essas questões todas não devem ser diminuidas. Pessoalmente, acho muito importante que as organizações de direitos humanos efetivamente se preocupem em construir um ambiente de trabalho que preze pela saúde e pelo bem estar emocional de seus funcionários. A Human Rights Watch, por exemplo, oferece para todos os seus funcionários os serviços de duas terapeutas, que estão disponíveis todos os dias para nos atender. Você manda um email para uma das terapeutas, ela responde, e vocês conversam por Skype sobre qualquer assunto que estiver te incomodando: algum conflito interpessoal no trabalho, estresse relativo ao conteúdo do trabalho e mesmo questões pessoais. Ainda temos muito o que avançar, mas acho esse tipo de ação fundamental. Além disso, eu pessoalmente sou uma enorme defensora da vida pessoal das pessoas. O nosso trabalho não tem dia nem hora – muitas vezes estou trocando Whatsapp com a minha chefe à noite por conta de uma notícia de um caso que acabou se sair no jornal. Por isso mesmo, respeito a vida intíma de todo mundo e protego muito a minha. Quando sinto que preciso ficar offline no fim de semana, o faço sem culpa. Não abro mão dos meus exercícios físicos e atividade de lazer. E por aí vai...
Q. Em Dezembro de 2018 aconteceu o Mulheres, Direitos e Poder, evento da HRW com a presença da Ministra Cármem Lúcia e outras mulheres incríveis em prol do Dia Internacional dos Direitos Humanos. Conta um pouco mais do evento para quem não pode participar.
O evento fou um sucesso! Ficamos extremamente felizes com o resultado, acho que superou todas as nossas expectativas. Tivemos duas mesas bem diferentes, com tons distintos mas complementares. Começamos com uma discussão sobre avanços e desafios para equidade de genêro no século XXI, com a participação da Paola Carosella, Eliane Dias, Suzana Pires, Kenia Maria e Juliana de Faria. O lugar do evento, a Casa Manioca, é super aconchegante, e como éramos 100 mulheres sentadas muito próximas e pertinho do palco, criou-se um clima muito especial e de muita intimidade. Essa primeira conversa foi super emocionante, com relatos pessoais das convidadas super fortes. Falamos muito sobre empatia, desafios para mulher no mercado de trabalho, a solidão da mulher negra. Me fez refletir bastante sobre a minha condição como mulher branca e os meus privilégios, em contraste com as camadas de opressão e violência que as mulheres negras sofrem por serem negras.
Depois do coffee break, voltamos para a segunda mesa com a ministra Cármen Lúcia, a desembargadora Kenarik Boujikian e a Maria Laura Canineu (diretora da HRW). Elas discutiram o papel do judiciário na efetivação dos direitos das mulheres e no combate à violência. Foi uma conversa mais densa, mas mesmo assim muito interessante. Aprendi muito sobre a situação da mulher encarcerada, principalmente a sua solidão. Enquanto as filas de visita nos presídios masculinos dão voltas no quarteirão, as mulheres presas não recebem visita nenhuma! É uma tristeza. Além disso, acho que todas nós ali nos surpreendemos e nos encantamos com a figura da ministra, que falou num tom super íntimo e informal, contando causos de sua vida e compartilhando reflexões pessoais acerca das desiguldades e dos preconceitos. Ela comentou que na sua família, os meninos aprendiam a tocar violão e as mulheres a tocar piano. Não coincidentemente, o violonista sai para noite para se apresentar em bares, tocar com grupos, etc., enquanto a pianista fica restrita ao ambiente doméstico e muitas vezes tem a função de entreter os convidados. Ou seja, o papel social do homem e da mulher está expresso (e determinado) até em coisas tão cotidianas como essa. Nunca tinha pensado nisso! Enfim, fiquei super feliz com o resultado do evento e principalmente com o feedback positivo que recebi das pessoas que foram. Inclusive foi um prazer enorme ter a Lolla representada lá! Agora a tarefa é começar a planejar o jantar beneficiente de 2019.
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